PlatôBR: As ferramentas de Hugo Motta no embate com o governo e com o Supremo

O presidente da Câmara usa instrumentos do Legislativo para demonstrar força contra o Planalto e contra o STF. O jogo de interesses inclui liberação de emendas, projeto de anistia e mandato de Carla Zambelli

Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados
Foto: Kayo Magalhães / Câmara dos Deputados

Como presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) dispõe de ferramentas poderosas para atuar no processo político e, também, para interferir no jogo de pressões entre os poderes. Esta semana, ele usou alguns desses instrumentos para endurecer as posições do Congresso frente ao governo e ao Supremo. Com declarações e decisões, comandou reações contundentes do Legislativo ao Planalto e ao STF.

Nesta sexta-feira, 11, Motta usou sua prerrogativa de pautar as votações para avançar na defesa de interesses do Parlamento. No final da tarde, logo depois de sair de uma reunião tensa com líderes do Centrão e do governo, ele anunciou que levaria ao plenário a perda de mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP) decidida pelo Supremo. Dois dias antes, anunciara o contrário: a mesa diretora acataria a decisão do tribunal.

Com esse movimento, o comandante de Câmara desagradou ao governo, por atender ao PL, partido da ala mais radical da oposição. Ao mesmo tempo, Motta contrariou o STF ao submeter ao plenário uma decisão da Suprema Corte. Na hipótese de os deputados votarem contra a perda de mandato, surgirá mais um foco de atritos com o Judiciário.

Outro gesto atendeu a demandas corporativas dos congressistas. Na terça-feira, 10, por telefone, Motta reclamou com a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) da demora no pagamento das emendas impositivas previstas para 2025, que somam R$ 25 bilhões. Até agora, o governo empenhou R$ 56,8 milhões e pagou somente R$ 824 mil. Essa é uma das razões da insatisfação do Congresso com o Planalto.

Foi um recado: sem a liberação das emendas, o clima será muito mais hostil na Câmara para a aprovação das pautas do governo, a começar pelas medidas alternativas ao aumento IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) que o governo pretende mandar ainda nesta semana em forma de medida provisória.

Também no caso das emendas, as ações de Motta afetam tanto o governo quanto o STF. Na terça-feira, o ministro Flávio Dino determinou que o Congresso e o governo apresentem informações sobre a possível existência de um “novo orçamento secreto” formado de “emendas paralelas” para a área da Saúde. Motta avisou que outro eventual bloqueio de verbas por parte do ministro poderá minar qualquer tentativa de acordo ou atrapalhar de vez a aprovação das propostas de interesse do Planalto.

“Um novo modelo de Estado”

Em alguns momentos ficou evidente a disposição de Motta de se despir da roupa de aliado do Planalto, firmada principalmente por ter sido um acompanhante privilegiado em viagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao exterior. Nesse rumo, o presidente da Câmara assumiu a pauta da necessidade de redução de gastos do governo e subiu o tom nas críticas públicas às despesas.

“Vamos colocar na ordem do dia um novo modelo de Estado, queremos um Estado mais eficiente, menos perdulário, com serviços de melhor qualidade, instituindo a meritocracia e aumentando a eficiência do nosso funcionalismo público”, disse Motta durante participação no Brasília Summit, evento promovido nesta quarta-feira pelo Grupo Lide e pelo jornal Correio Braziliense. “Após uma medida equivocada em apresentar como solução fiscal mais um aumento de tributos, barramos o aumento do IOF. Foi uma vitória do setor produtivo que chegou à classe política e ao Legislativo. Trouxemos o governo a um debate que o país espera: fazer o dever de casa com o corte de gastos”, acrescentou o deputado.

A redução dos gastos, na forma defendida por Motta, se contrapõe à linha defendida por boa parte do governo, principalmente pelos setores mais à esquerda.

O ambiente no Congresso

Na troca de pressões contra os outros poderes, o presidente da Câmara ainda dispõe do Projeto de Decreto Legislativo que susta o aumento do IOF, ainda em vigor. Essa é mais uma carta na manga que poderá ser usada caso o acordo com o governo não seja fechado, ou mesmo se o ambiente, sem a liberação de emendas, se deteriorar para o governo no Congresso.

Um ponto a ser considerado é que, como aliado, Motta recentemente perdeu protagonismo para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil – AP) em pelo menos dois momentos. Uma delas foi na questão da anistia para os participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Motta não pautou o assunto na Câmara e Alcolumbre apareceu com um projeto de lei que acabou esvaziando a proposta dos oposicionistas.

Alcolumbre também ocupou espaços no encaminhamento das questões relacionadas aos descontos não autorizados de aposentados e pensionistas do INSS. Motta, na Câmara, encerrou o assunto e alegou que existia uma lista de Is na frente do pedido apresentado pela oposição. Nesta quarta-feira, ele pediu ao STF que rejeite um mandado de segurança do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) par que seja instalada a I do INSS.

No Senado, Alcolumbre manteve a pauta acesa e só depois de conseguir indicar o novo presidente da Codevasf, atendeu o pedido do governo e jogou o funcionamento da MI para o segundo semestre. Assim, esfriou o assunto.