O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou como “prática terrorista e antipatriótica” a articulação do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos para que o governo Donald Trump sancione o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
“É lamentável um deputado brasileiro convocar os EUA a se meter na política interna do Brasil (…) o cidadão pede licença do seu mandato e fica lambendo as botas de Trump e seus assessores para intervir na política brasileira. Não é possível aceitar isso”, disse Lula a jornalistas nesta terça-feira, 3, no Palácio do Planalto.
O petista ainda considerou “inissível” que a Casa Branca reaja a decisões judiciais de Moraes e prometeu uma defesa do governo federal ao magistrado. “Por enquanto, o que temos são falas de pessoas, mas pode ficar certo de que o Brasil vai defender não só seu ministro, mas sua Suprema Corte“, concluiu Lula.
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Por que Lula falou de Eduardo
Na sexta-feira, 30, o Ministério da Justiça e Segurança Pública de Lula confirmou à IstoÉ ter recebido uma carta do Departamento de Justiça dos EUA com críticas a decisões de Moraes, o que representou a primeira ação institucional da Casa Branca contra o magistrado brasileiro.
Às vésperas da emissão do documento, o secretário de Estado americano Marco Rubio, disse haver grandes chances de aplicação de sanções contra o ministro. “Isso está sob análise neste momento e há uma grande possibilidade de que aconteça”, respondeu Rubio, após ser questionado pelo congressista republicano Cory Mills em sessão da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos EUA.
As medidas possíveis no caso constam na Lei Magnitsky, legislação americana que autoriza sanções contra indivíduos acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. As medidas incluem bloqueio de bens e contas em território americano e mesmo a proibição da entrada no país.
Essa possibilidade foi classificada como afrontosa à soberania nacional pela ministra das Relações Institucionais do governo Lula (PT), Gleisi Hoffmann, e pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da bancada petista na Câmara.
A ex-presidente do PT falou em “conspiração de Bolsonaro [antecessor de Lula na Presidência da República] com a extrema-direita dos EUA em busca de intervenção estrangeira no Judiciário do Brasil” em publicação no X (antigo Twitter).
Já Lindbergh escreveu, em nome da bancada: “não itiremos qualquer forma de submissão ou ingerência estrangeira em nosso ordenamento jurídico. Nosso compromisso é com um país justo, democrático e soberano, onde o povo decida seu destino sem interferências externas”.
A articulação para que o governo dos Estados Unidos puna o magistrado ganhou força desde que Bolsonaro e 30 aliados se tornaram réus por uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, em processo relatado pelo magistrado no STF. Se condenado, o ex-presidente poderá pegar 43 anos de cadeia.
Conhecido pelo bom trânsito com a direita americana, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se licenciou do mandato parlamentar e foi morar nos EUA com esse objetivo ainda em março, quando já estava “precificada” a instauração de um processo contra o pai. A principal aposta do grupo é na suspensão do aporte de Moraes, mas outras sanções aram a ser cogitadas após o pronunciamento do secretário de Trump.
Conforme especialistas ouvidos pela IstoÉ, embora a decisão seja uma prerrogativa de Trump, ela poderia gerar ruídos diplomáticos entre as nações.
“A concessão, suspensão ou revogação de vistos é responsabilidade dos órgãos do Executivo, a quem cabe gerir a política migratória. Nos EUA, quem cuida disso é o Departamento de Estado, submetido à Casa Branca. Com razão em bases justificadas de política externa ou política de segurança, esse órgão pode cancelar ou suspender um visto a qualquer momento, o que pode ser provocado por uma orientação presidencial”, disse Victoriana Gonzaga, advogada especializada em direito internacional e professora da FIA-SP (Fundação Instituto de istração).
“A medida pode ser usada como ferramenta de pressão em um entrevero diplomático ou resposta a atos de autoridades estrangeiras que são contrárias aos interesses do país. O governo americano já fez isso com autoridades estrangeiras envolvidas em violações de direitos humanos e corrupção, mas essas decisões foram embasadas por sanções determinadas por entidades internacionais, o que não é o caso. A decisão seria vista como um ato hostil, do ponto de vista das relações diplomáticas”, acrescentou.
Para Emanuel Pessoa, advogado especializado na internacionalização da empresas e professor da China Foreign Affairs University, a decisão não depende do processo judicial e é discricionária do Poder Executivo. Em caso de sanção, “o recado será de que a Casa Branca entende que Moraes feriu regras legais, em particular as de liberdade de expressão, servindo como um reproche direto e claro dos EUA à conduta de Moraes e a chancela dada a ela pela Suprema Corte brasileira”.
Após a possibilidade de sanção ser confirmada pelas autoridades americanas, o STF acatou um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) e instaurou um inquérito para que a Polícia Federal investigue a atuação de Eduardo Bolsonaro em solo americano.